Decorridos
alguns meses, os nossos cães pequeninos reúnem-se para mais uma amena conversa,
à semelhança daquele agradável cavaqueio inserido nos seus hábitos frequentes.
Hoje estão os mesmos cinco com dois novos amigos que substituem os que faltam,
embora os amigos verdadeiros, como é o caso, sejam insubstituíveis.
O
ponto de encontro é numa clareira, circundada e arbustos, aquecida por um sol
de inverno que eles muito apreciam.
Estendidos
no capim seco da mata, são eles o Rissol, o Pipoca, o Jimy, o Sheik e a Maruja.
Feitas
as apresentações, Maruja confessa: - Lamento não ter conhecido os outros.
-
Foram com os donos para o estrangeiro. Alemanha, não? – articulou o Rissol, virando-se
para os outros.
-
Não sei qual mas um, creio que foi para as Canárias…- adiantou o Jimy.
-
Não interessa. Não estão e é pena.
-
De acordo, Pipoca. Que me dizem dos incêndios deste ano?
-
Calem-se! – abespinhou-se o Rissol.- Tudo que poderia ser evitado.
Sheik
quebrou o silêncio.
-
Nada me surpreende. Nem a tragédia nem as promessas, que se vão ficar por aí…
-
O ideal, que nunca é feito, é anunciarem e repetirem a teoria e a prática vir
au ralenti…Uma coisita ou outra para calar os subversivos e a seguir…segredo
absoluto.- sentenciou Jimy.- Nem a imprensa fala mais sobre o assunto.
-
Para quê? A imprensa o que quer são temas de “caixa alta”, que cativem
audiências.
-
Sim, sim, excitem a curiosidade.
-
Para isso, nada melhor que os escândalos. – arriscou a Maruja.
Rissol
aproveitou para coçar a orelha. Afugentando uma irrequieta vespa dourada.
-
Eu cada vez mais me capacito duma grande verdade. E ninguém me contradiga a não
ser com motivos óbvios.
-
O que é? – inquiriram em uníssono.
-
Apesar de estarmos em democracia…
Sheik
interrompeu:
-
Ditadura camuflada em democracia, queres tu dizer.
-
Seja… mas o que eu acho é que em pleno século XXI, com todo esse progresso apregoado…
-
Temos de convir que há, tem havido progresso.
-
No que concerne a materialismo! – quase gritou o Pipoca.- Os valores morais
perdem-se!
-
Deixemos isso para a próxima. – prosseguiu o Rissol. – Dizia eu que nos vangloriamos
de uma mudança de regime, de ideias democráticas, mas o obscurantismo
permanece. Os programas televisivos encharcam-nos de novelas.
-
E o pior não é isso. – cortou Sheik. – A interpretação nacional melhorou
substancialmente. Os conteúdos dos textos é que são sempre os mesmos…
-
Lá nisso…
-
Mortes, traições, armadilhas, atentados, negócios corruptos… As novelas são
decalcomanias umas das outras. Tudo isso o mundo oferece no quotidiano. Não há
mais nada para inventar?
-
Sem contar com as repetições na linguagem. – Maruja imita: “Achas? Não acho,
tenho a certeza. “Tem calma. Como é que querem que eu tenha calma? Não vou nada
ter calma”. E outras frases no género.
-
Mas isso é o retrato do nosso dia a dia! - teimou Sheik.
Rissol
deitou-se ao comprido e discordou:
-
Mais uma prova da falta de capacidade inventiva. Mais um motivo para educar
mentalidades no caminho dos nobres princípios, evitando a vulgaridade.
-
As novelas são para divertir e não para educar. De resto, quando o fim não é
desconcertante, sem muita convicção, acaba sempre bem…isto é, casam-se os
amorosos depois de inúmeras experiências afectivas.
-
Como nos contos de fadas, não é Jimy?
-
Pois eu divirto-me mais com os debates dos políticos, principalmente quando
falam todos ao mesmo tempo.
-
Uns, para não percebermos nada, outros, que não concordam com coisa nenhuma,
outros, umas vezes, sim, outras não e nós o povo.
-
Pipoca, dissuade-te. Conforma-te. Desde que nada te falte, não queiras sempre
mais. – atalhou o Sheik.
-
As desigualdades continuam a existir e isso confrange-me.
Sheik
arrematou:
-
Com poucos dias de intervalo, deixaram de existir um empresário milionário e um
artista da canção. E sabe-se lá quantos anónimos. Diferentes na vida, sim mas
não desiguais na morte.
A
despedir-se:
-
“Tu és pó e em pó te tornarás”. Todos somos iguais no pó de que somos feitos e
em que nos transformamos.
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