segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Encontro de Caniches XIV


Decorridos alguns meses, os nossos cães pequeninos reúnem-se para mais uma amena conversa, à semelhança daquele agradável cavaqueio inserido nos seus hábitos frequentes. Hoje estão os mesmos cinco com dois novos amigos que substituem os que faltam, embora os amigos verdadeiros, como é o caso, sejam insubstituíveis.
O ponto de encontro é numa clareira, circundada e arbustos, aquecida por um sol de inverno que eles muito apreciam.
Estendidos no capim seco da mata, são eles o Rissol, o Pipoca, o Jimy, o Sheik e a Maruja.

Feitas as apresentações, Maruja confessa: - Lamento não ter conhecido os outros.
- Foram com os donos para o estrangeiro. Alemanha, não? – articulou o Rissol, virando-se para os outros.
- Não sei qual mas um, creio que foi para as Canárias…- adiantou o Jimy.
- Não interessa. Não estão e é pena.
- De acordo, Pipoca. Que me dizem dos incêndios deste ano?
- Calem-se! – abespinhou-se o Rissol.- Tudo que poderia ser evitado.
Sheik quebrou o silêncio.
- Nada me surpreende. Nem a tragédia nem as promessas, que se vão ficar por aí…
- O ideal, que nunca é feito, é anunciarem e repetirem a teoria e a prática vir au ralenti…Uma coisita ou outra para calar os subversivos e a seguir…segredo absoluto.- sentenciou Jimy.- Nem a imprensa fala mais sobre o assunto.
- Para quê? A imprensa o que quer são temas de “caixa alta”, que cativem audiências.
- Sim, sim, excitem a curiosidade.
- Para isso, nada melhor que os escândalos. – arriscou a Maruja.
Rissol aproveitou para coçar a orelha. Afugentando uma irrequieta vespa dourada.
- Eu cada vez mais me capacito duma grande verdade. E ninguém me contradiga a não ser com motivos óbvios.
- O que é? – inquiriram em uníssono.
- Apesar de estarmos em democracia…
Sheik interrompeu:
- Ditadura camuflada em democracia, queres tu dizer.
- Seja… mas o que eu acho é que em pleno século XXI, com todo esse progresso apregoado…
- Temos de convir que há, tem havido progresso.
- No que concerne a materialismo! – quase gritou o Pipoca.- Os valores morais perdem-se!
- Deixemos isso para a próxima. – prosseguiu o Rissol. – Dizia eu que nos vangloriamos de uma mudança de regime, de ideias democráticas, mas o obscurantismo permanece. Os programas televisivos encharcam-nos de novelas.
- E o pior não é isso. – cortou Sheik. – A interpretação nacional melhorou substancialmente. Os conteúdos dos textos é que são sempre os mesmos…
- Lá nisso…
- Mortes, traições, armadilhas, atentados, negócios corruptos… As novelas são decalcomanias umas das outras. Tudo isso o mundo oferece no quotidiano. Não há mais nada para inventar?
- Sem contar com as repetições na linguagem. – Maruja imita: “Achas? Não acho, tenho a certeza. “Tem calma. Como é que querem que eu tenha calma? Não vou nada ter calma”. E outras frases no género.
- Mas isso é o retrato do nosso dia a dia! - teimou Sheik.
Rissol deitou-se ao comprido e discordou:
- Mais uma prova da falta de capacidade inventiva. Mais um motivo para educar mentalidades no caminho dos nobres princípios, evitando a vulgaridade.
- As novelas são para divertir e não para educar. De resto, quando o fim não é desconcertante, sem muita convicção, acaba sempre bem…isto é, casam-se os amorosos depois de inúmeras experiências afectivas.
- Como nos contos de fadas, não é Jimy?
- Pois eu divirto-me mais com os debates dos políticos, principalmente quando falam todos ao mesmo tempo.
- Uns, para não percebermos nada, outros, que não concordam com coisa nenhuma, outros, umas vezes, sim, outras não e nós o povo.
- Pipoca, dissuade-te. Conforma-te. Desde que nada te falte, não queiras sempre mais. – atalhou o Sheik.
- As desigualdades continuam a existir e isso confrange-me.
Sheik arrematou:
- Com poucos dias de intervalo, deixaram de existir um empresário milionário e um artista da canção. E sabe-se lá quantos anónimos. Diferentes na vida, sim mas não desiguais na morte.
A despedir-se:
- “Tu és pó e em pó te tornarás”. Todos somos iguais no pó de que somos feitos e em que nos transformamos.

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